domingo, 7 de dezembro de 2008

O futuro é vortex


A revolução das frutas


Uma manga dentro de uma redoma de vidro. Isto mesmo caros leitores. Um fruto avermelhado, ovóide, sem mácula alguma, linha ou sulco em seu dorso, nenhuma nodoa. Perfeita aos olhos dos visitantes que a admirava estupefatos como se fosse o último artigo natural comestível na face da terra. Possuía uma circunferência em torno de 60 centímetros e delicada silhueta e tratada sem agrotóxico. Na redoma ao lado, outro fruto, uma banana. Sua forma fálica atraia a atenção de algumas mulheres, que absortas contemplavam-na sinestesicamente. Era totalmente amarelada e sem pintas ou riscos da colheita. Um espetacular esquema de segurança foi montado em torno das peças, talvez por ser raras e, portanto, muito valiosas. O circuito interno cobria todo o salão, dois homens armados faziam a segurança, por último as redomas eram de vidro temperado, inquebrável, as bases de titânio – a prova de furtos.

Pessoas passeavam enfileiradas com olhos pregados nas duas frutas. Alguém dizia: será resultado de laboratório? Outro indagava: será trangénicas? E mais outra: deve ser artificialmente coloridas, produzidas com massa de pão ou por algum notável taxidermista! As cogitações eram inúmeras, mas ninguém ali, sabia a origem das frutas.

Um especialista em biocultura toma a frente da multidão e resolve discorrer sobre os artefatos. Estes dois achados senhoras e senhores compõem junto a outras peças de artes deste museu, um trabalho de pesquisa e busca pelos quatro cantos do planeta. Imaginem vocês, quês estas duas frutas estão avaliadas em alguns milhões de damascos*, e concorrem com obras de pintores famosos como Picasso, Andy Warhol e Portinari, foram achadas em terras do Brasil, na América do Sul, e foi preciso inclusive a intervenção dos juizes supremos e da esquadra militar do Norte para resgatar estes exemplares dos bárbaros. Trata-se, portanto, senhoras e senhores, de esforços empreendidos tanto pela natureza, quanto pelo homem para apresentar estas valiosas matrizes à civilização. São dois modelos de oportunidades para a ciência transgênica salvaguardar o futuro da humanidade. As pessoas ali, imobilizadas pareciam estar diante de um acontecimento singular. O especialista continuou. As nossas analises citogenéticas detectaram nas duas estruturas algo chamado maturas matrizes. O que revela um alto potencial de multiplicação em série desses frutos a partir de células para servir de base alimentar geneticamente modificada na aceleração do metabolismo aos fenótipos cro-magon in vitro. Além disso, estimamos uma larga produção a partir destes exemplares nativos para consumo da nossa comunidade Pretoriana. Podemos ainda dizer que será a moeda do futuro, valendo tanto quanto o ouro ou diamante, mas, gostaríamos mesmo de lhes apresentar novas descobertas. Todos os visitantes seguiram por um corredor a meia-luz, em direção a outra sala, desta vez guardada por um sistema de vigilância mais severo; uma espessa porta de metal, feixes de raios lasers para controlar o acesso, câmeras e guardas por todos os lados. O especialista ao imprimir o polegar num decodificador digital, desligou o sistema e todos acessaram a câmara secreta. Um salão imenso com paredes e chão em ladrilhos branco sem janelas ou condutores de ar, mais cinco redomas de vidros estavam dispostas como compotas de doces ou jóias, protegidas de ataques de qualquer natureza. Nas placas de prata em cada redoma havia nomes como Inga uruguensis, Psidium guajava, Genipa americana, Eugenia uniflora, Euterpeoleracea, para designar o Ingá, a pitanga, a goiaba, o palmito e jenipapo. Segue o especialista. Aqui, senhoras e senhores, vocês irão testemunhar espécimes extintas há quase cinco décadas, conservadas por estabilizantes e conservantes, extraídas da região Amazônica. Seus elementos servem hoje as nossas indústrias de medicamentos e alimentos sintéticos, tudo a partir de combinações botânicas e genéticas. Um feito para a ciência da biotecnologia. Um espanto cobriu o lugar enquanto os visitantes circulavam as caixas de vidro com ares ruidosos de curiosidade. De repente uma pergunta saltou. O senhor sabe dizer em quanto está avaliado cada exemplar desses? O especialista sorriu friamente e retrucou: não tem classificação em valores. Outra pergunta foi lançada: e porque não se explora naquelas terras mais desses frutos? Eram os últimos, atalhou o especialista. Uma mulher aproximou-se dele e fez-lhe uma proposta: o senhor poderia facilitar-me a venda de um desses, qualquer um? Eu lhe daria uma fortuna, trocaria por esmeraldas ou diamantes, sou muito rica! O especialista olhou enfeado para a mulher e deixou-a de lado. – Agora voltemos todos ao salão. Ninguém se movia. Um grupo agarrou uma das redomas e tentou movê-la a todo custo, batiam e forçavam, mas nada acontecia. A guarda foi acionada e todos foram postos para fora da sala. Novamente um outro grupo atacou as calotas esféricas da banana e da manga. Um tumulto generalizado tomou conta da ante-sala. Socos, ponta-pés, choques, gás de mostarda e uma luta para alçar as frutas. O especialista foi sufocado, os guardas foram encurralados e a policia acionada. O prédio foi invadido e a situação controlada pela Corps, polícia distrital. Todos foram contidos em camisas de força e conduzidos para fora do museu enquanto bradavam o nome das frutas com certo desespero diante da milícia.

Daquele dia em diante as visitas ao museu seriam suspensas. As frutas estariam à mostra através de programas televisivos, para evitar novos ataques, o qual o especialista chamou de surto generalizado. Dias depois da exibição dos programas, uma onda de pessoas sitiou o museu, deflagrando um confronto armado contra a Corps. As dependências do museu foram tomadas pela massa ensandecida que sabotou o sistema central de força e abateu os guardas. As salas foram saqueadas e as frutas devoradas por poucos que se engalfinhavam para saborear um pedaço dos últimos exemplares. O especialista desolado no meio da calçada mirava o caos no interior do prédio enquanto sacava do bolso o seu almoço, uma pasta sintética de cereal em cápsula, olhou com enjôo e engoliu a seco.


* Damascos – moeda local




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